Como é a minha família nos Estados Unidos
17 maio 2022
Domingo passado, gravei o podcast “Com Sotaque” com a Natalia Baldochi e falei bastante sobre família. O tema do podcast era amor e eu contei a minha história, mas antes de construir uma família com a minha esposa, eu ressignifiquei o conceito da palavra diversas vezes ao longo da vida.
Vamos começar do começo. Segundo o Dicionário Houaiss, família é “Núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária”.
Observe que genética não aparece uma só vez na descrição do dicionário. Muitas pessoas LGBTQ+ não são aceitas pelos parentes de sangue e buscam famílias em outros colos. Comigo não foi muito diferente, mas essa história eu contei no podcast que sai em Junho. Hoje, quero falar de família na imigração.
Você pode se sentir sem propósito ao mudar de país
No começo da vida no exterior, podemos nos sentir isolados e sem propósito. Muitas mulheres que vieram como eu, com visto de esposa, podem sentir ainda mais esse isolamento já que elas “não têm nada pra fazer”.
Nos primeiros meses depois de me mudar, ouvi muitas vezes “queria ter sua vida” quando eu dizia que ainda não podia trabalhar. Na minha cabeça, estava dizendo que, por alguns meses, eu estava recolhida a um papel de dependência, mas pessoas aleatórias ouviam que eu estava tirando um ano sabático e que era livre para aproveitar o que quisesse.
Eu não me sentia livre, pelo contrário, sentia que as decisões da minha vida estavam fora do meu alcance. Com a sensação de perda de controle, algumas crises de ansiedade e sem nenhum amigo, que fui criando as minhas raízes em Nova York.
Quando viramos imigrantes, temos que nos adaptar a muitas coisas, dentre elas, não dispor mais da proximidade física – lembra do conceito de família? – de quem nos acompanha há muito tempo.
Família é um porto seguro
Chegando a um país novo, precisamos reaprender coisas básicas (como fazer arroz), adaptar nossos gostos, modificar o paladar, conhecer sobre as diferenças climáticas e muito mais. Passamos por tudo isso sem o apoio de uma rede solidária composta por pessoas que não julgam nossas fraquezas, capazes de estender a mão em momentos difíceis e que celebram as conquistas nas nossas vitórias.
No turbilhão da adaptação, cercados por uma língua diferente, precisamos estabelecer laços afetivos e relações solidárias com quem ainda estamos conhecendo.
Família é um porto seguro. É perto das pessoas que confiamos que criamos esperança, construímos autoestima e, aos poucos, com muito apoio, aprendemos a ser nossa própria fundação.
Antes de finalizar, quero deixar um recado que escrevi há muito tempo, quando estava de férias na casa de uma família que não tem o meu sobrenome. Amor, quando existe, envolve toda a casa, por maior que seja e transforma seres, aparentemente estranhos uns aos outros, em famílias.
Me acostumei a criar laços afetivos e relações solidárias fora de casa muito cedo. Tive a sorte de formar vários núcleos familiares compostos por amigos de diferentes backgrounds, que me ensinaram a confiar na minha melhor versão. Alguns ainda estão comigo, outros seguem em suas próprias buscas.
Quando cheguei aos Estados Unidos, o conceito de família já era amplo pra mim. Fico feliz em manter as portas abertas para novos amigos e agregados.
Incrível <3
Comovente, verdadeiro e encorajador.