A vida é feita de hábitos
24 maio 2022
Dois anos atrás, meio por causa da pandemia, meio por vontade própria, resolvi parar de fumar. O cigarro fez parte da minha vida por quase 15 anos e, diferente de alguns amigos que fumam “recreativamente”, a minha relação era de vício. Um hábito ao qual recorria quando estava ansiosa, triste, entediada, insegura, ou todas as opções anteriores. Ter o cigarro na mão esquerda e o celular na mão direita era como vestir uma barreira contra os sentimentos com os quais não sabia lidar, ou sequer podia identificar.
Fui uma criança tímida. Vivi dividida entre dois mundos nos quais me sentia inadequada. Não sei se minha timidez era proveniente da inadequação, ou se era ao contrário. Mas foi nessa época que conheci uma parceira da vida inteira, a ansiedade.
Minha vida era ser estrangeira de mim
Minha realidade era viver à espera do próximo evento, da próxima briga, da próxima oportunidade de me alienar. Debruçada em crises e faltas, me acostumei a passar o tempo fugindo em barcos de papel, sendo estrangeira da minha realidade. A imaginação foi meu primeiro vício. Com a adolescência, vieram outros.
O que ninguém fala sobre obsessões, é que são elas que preenchem nossos dias e fazem companhia na inadequação, aparentando diminuir o que incomoda. Toda criança e adolescente quer se encaixar. E nada melhor para se sentir menos esquisita do que a roupa da moda, o tênis que todo mundo usa e, dependendo do grupo, um cigarro na mão.
Adultos também querem pertencer, mas as barras são mais altas, as responsabilidades mais sérias e os riscos mais significativos. Quando cheguei em Nova York, via pessoas “saudáveis” correndo na rua fizesse chuva, sol ou nevasca e achava que, ou elas estavam doidas, ou tinham algo a me ensinar.
Seus hábitos te ajudam ou atrapalham?
Quase 4 anos depois, aprendi que correr é só mais uma adição, porque atravessar 24 horas sem vícios não dá! Pode perguntar pro Chico Buarque, que fez o favor de eternizar “também sem a cachaça, ninguém segura esse rojão.” E não segura. O desafio é escolher bem a sua cachaça.
Enquanto tentava parar de fumar, minha psicóloga fez uma pergunta que martela em mim até hoje: como você quer ser aos 80 anos? Como eu poderia responder se, até aquele momento, eu não sabia que podia escolher? Pra mim, as rotinas, obrigações, diversões e vícios, (claro!) chegaram sem a opção da pílula azul ou vermelha.
Escolher é assumir responsabilidades, é estar alinhada com a sua verdade, aceitar suas capacidades e investir no que te faz bem. Essa é a minha definição atual, você pode encontrar uma que melhor se encaixe no seu momento de vida.
Você pode se acostumar com hábitos melhores
Parei de fumar, mas o dia continuou durando 24 horas que eu deveria preencher no meio do isolamento social. Precisei me adaptar. Fui substituindo o ócio por rituais. Comecei a fazer aulas de yoga em casa, a cuidar da alimentação, passear no parque durante o verão, ler e escrever mais, estudar italiano e português. E, quando foi possível, finalmente passei a ir à academia.
Acompanha meu pensamento: todo mundo precisa de hábitos que se repetem quase independentes da nossa vontade para atravessar a vida. O lance é encontrar a turma que tenha vícios parecidos com os que você quer cultivar. Assim, você não vai se sentir um alienígena num grupo de terráqueos e sua existência vai ficar mais leve.
Hoje, eu (quem diria?!), me alieno das ansiedades, tédio, tristezas, inseguranças e frustrações correndo. São 3km por dia numa academia com temperatura controlada. E não se assuste se me vir postando fotos em competições por aí. O que nos move na vida, são os desafios que conseguimos superar.
O recado hoje é: escolha vícios que te ajudam a construir a vida que você quer e se aliene com consciência.