O que aprendi sobre ser estrangeira com Elena Ferrante
14 jun 2022
Esse ano, algo me surpreendeu mais do que entender que eu gosto de suar na academia. Estou no último livro da quadrilogia napolitana da Elena Ferrante e completamente imersa na história de Lila e Lenu. A última série que li foi Harry Potter na pré-adolescência. Foi surpreendente descobrir essa paixão por romances seriados.
Um dos piores sentimentos para leitores é o vazio que fica ao final de um livro. Como se a última página fosse a despedida de parentes distantes que passaram uma temporada com você, te incluindo em aventuras, dividindo aflições e alegrias. Mas é chegada a hora de fechar as malas e te deixar na ressaca da casa vazia e silenciosa. A quadrilogia me lembrou que séries prolongam a estadia dos visitantes e aliviam o estresse de procurar a próxima leitura.
Elena entrou na minha vida como um presente, literal e figurativamente. Em fevereiro, ganhei um gift card da Barnes & Nobles e, porque era um presente, resolvi procurar um título não-óbvio. Quis me surpreender através da delicadeza de quem me presenteou, como se a pessoa tivesse escolhido o livro baseado no que ela conhece de mim. Achei uma vivência interessante me ver através do olhar de outra pessoa.
Aprendi com Elena Ferrante que ser estrangeira vai além de mudar de país
Já conhecia o nome da autora, mas minha primeira experiência com a italiana foi através do livro “A Vida Mentirosa dos Adultos”, que li em seis dias (um recorde pessoal) de abril. Logo depois, comecei a quadrilogia napolitana.
Pra mim, preferências (literárias, cinematográficas, culinárias…) são fases e eu estava em uma relação monogâmica com autobiografias, ensaios e livros de não-ficção antes de ser absorvida pela Nápoles de Elena Ferrante. Estou apaixonada pela escrita afiada, sensível e verdadeira dos romances da autora. Quero fazer reflexões sobre a quadrilogia que podem ressonar com qualquer pessoa, mas fica o aviso: vou ser obrigada a dar spoilers pra fazer meu ponto.
A série conta a história de duas amigas, Lila e Lenu, que viviam no mesmo bairro e frequentaram o mesmo colégio no ensino fundamental. Enquanto Lenu deixa o bairro onde cresceu, entra na universidade, aprende outras línguas e passa férias em países estrangeiros; Lila para de estudar, se casa aos 16 anos, engravida e se torna adulta no mesmo lugar onde ainda moram seus pais, os de Lenu e os amigos de infância.
Lenu é a aventureira que representa todos nós, estrangeiros, que buscamos oportunidades diferentes das estabelecidas pelos nossos ancestrais. Talvez por coragem, talvez por inquietude. Ela busca, em lugares onde não tem raízes, uma realidade mais confortável e menos violenta do que a de onde a amiga que ficou.
A protagonista encontra diversas portas fechadas no caminho, as quais tenta abrir sem perder a identidade napolitana. E é sobre isso que eu quero falar. A gente pensa em mudança como uma página em branco, mas chegamos com a nossa história, marcados pelas escolhas e comportamentos de quem veio antes da gente. A cidade, que é nova pra gente, já tem suas ruas delimitadas, caminhos determinados e cartas marcadas.
Precisei mudar de país para descobrir quem eu sou
Buscar se estabelecer em outro lugar é um processo dúbio. Enquanto você anseia pelas novas oportunidades, quer (e precisa) se apoiar no que já conhece. A fase da adaptação está longe de ser um período de experimentar diferentes temperaturas e sabores. Se adaptar consiste em aprender a se sentir segura em um ambiente onde você não tem fundação. A gente se sente desorientado, porque as possibilidades estabelecidas no país novo não foram desenhadas pelos nossos antepassados, mas por estranhos com línguas e hábitos diferentes.
Lenu vira mulher fora de Nápoles, mas é com os conhecimentos adquiridos na terra natal que transita por outras cidades, fazendo escolhas baseadas nas possibilidades que uma menina como ela pode ter. A gente sempre comenta que as coisas estão mudando muito rápido, mas a verdade é que as estruturas sociais seguem rígidas. E furar bolhas permanece sendo um trabalho árduo.
Durante a vida, não importa aonde vamos, fazemos escolhas baseadas em conhecimento prévio. Nossa página em branco, na verdade, é a continuação de um livro metade escrito em nossa língua, metade em língua estrangeira, onde, em idioma próprio, continuamos a escrever nossa história.
Eu e Lenu saímos de casa para descobrir quem somos sem a influência de quem nos cerca desde a infância, mas, em geral, seguimos fiéis às nossas raízes.